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O perigo neofascista e a omissão das elites

O fenômeno não é perceptível a olho nu por parte da população, até porque a narrativa oficial, forjada com total apoio da mídia corporativa, busca justamente desviar a atenção do povo. Mas, uma observação apurada da conjuntura política e institucional brasileira permite identificar o fortalecimento, no Brasil, do Estado autoritário, que se faz invisível na imaginação popular, mas se espalha com força e rapidez, se apoderando não apenas das instituições e entidades, mas principalmente das consciências e corações. Esse é o perigo, sem nenhum pessimismo e tampouco alarmismo.

Durante evento no Rio, ano passado, o sociólogo espanhol Manuel Castells, autor do excelente livro A sociedade em rede, disse que o Brasil vive uma “ditadura sutil”. Claro, estava falando da percepção do senso comum. Ele mostra como a tecnologia, a conectividade instantânea, longe de ser ferramenta de liberdade, de autonomia, de direitos, serve como instrumento de dominação e poder. É o que chama de “capitalismo informacional”.

As ditaduras mudaram o formato e a face, ao ponto de enganarem até mesmo pessoas esclarecidas. É muito comum ouvir alguém, inclusive da área do Direito, dizer que o Brasil não vive um regime de exceção porque as instituições estão funcionando. Não é bem assim. Hoje, o processo ditatorial se impõe via o controle do sistema de justiça e a manipulação rigorosa dos valores e das vontades das multidões. Tanques e fuzis só em casos excepcionais. E nesse novo modelo absolutista, de versão única da história, as redes sociais são decisivas para estabelecer “verdades”, fabricar vontades, espalhar noticias falsas, as famigeradas fake news, e moldar a tão propalada opinião pública que, como dizia Pierre Bourdieu, serve acima de tudo para alimentar objetivos hegemônicos. Tudo isso sempre apelando para o emocional, pois a racionalidade permite análises, compreensão da realidade, portanto atrapalha os modelos autoritários, que se fortalecem no estímulo aos impulsos dos sujeitos, a fim de homogeneizá-los, de enquadrá-los na vontade comum das multidões, orientados pelo pensamento ultraconservador. Bem parecido com O homem massa, obra de Ortega y Gasset.

Historicamente formadas e conformadas nos valores coloniais, de servidão incondicional à metrópole, no passado a Portugal e agora aos Estados Unidos, acostumadas ao entreguismo em troca de migalhas, as elites nativas, para não atrapalhar o projeto ultraliberal, que lhes proporciona lucros e vantagens, fingem não ver o que está acontecendo atualmente no Brasil. Uma negligência irresponsável e perigosa, pois põe em risco, gravemente, a democracia, o processo civilizatório, a cidadania e os poucos avanços sociais conquistados com muita luta e sangue pelo povo brasileiro.

No recente livro Como as democracias morem, Steven Levitsky e Daniel Ziblatt defendem a tase de que a tarefa de proteger a vida democrática cabe às elites - políticas, econômicas e religiosas - e não ao povo, que pode ser iludido por falsos profetas e projetos falaciosos de salvação coletiva, como geralmente ocorrem na implantação dos regimes autoritários. Inclusive, citam como exemplos a consolidação do fascismo e do nazismo, no entreguerras, na Europa. Os liberais deram corda imaginando que ajudariam a combater o comunismo, então vigoroso, depois precisaram do decisivo apoio da extinta União Soviética para derrotar os monstros que criaram. Faz lembrar, e muito, a triste e explosiva experiência que o Brasil vive, atualmente.

É imperioso cortar, imediatamente, as asas do neofascismo, antes que seja tarde demais. É com essa compreensão que tem se destacado o governador do Maranhão, Flávio Dino, hoje, sem dúvida alguma, a principal liderança na construção de uma resistência democrática ampliada. Engana-se redondamente quem acha que a extrema direita está fragilizada, perdendo influência, ou que as esquerdas, sozinhas, tenham forças para tirar o Brasil das trevas e restabelecer a democracia.

* Rogaciano Medeiros é jornalista, integrante do Movimento Comunicação pela Democracia