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‘Big Six’: mudança no ranking bancário do golpe à pandemia

*Por Fernando Nogueira

O Itaú se tornou o maior banco brasileiro por ativos, o Banco do Brasil perdeu essa liderança histórica, apesar de ser o maior captador de recursos, e a Caixa Econômica retomou o primeiro posto em carteira de crédito. O roteiro é claro: o desmanche dos bancos públicos

Quatro anos se passaram desde a véspera do golpe “parlamentarista” e jurídico contra a eleita em presidencialismo. O processo forjado para seu impeachment teve início em 2 de dezembro de 2015, quando o ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB), em retaliação pela falta de apoio governamental contra a investigação de seus crimes (pelos quais foi condenado posteriormente), deu prosseguimento ao pedido dos juristas Hélio Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaína Paschoal. No dia 17 de abril de 2015, o Plenário da Câmara autorizou a abertura do processo.

A história posterior desmascarou todos os protagonistas golpistas. Foram cúmplices no processo de ascensão da extrema-direita miliciana-militar ao Poder Executivo. “Tá tudo dominado” pelo crime organizado no Rio de Janeiro – e seus políticos e juristas!

Em quatro anos, a economia brasileira entrou em um processo de estagdesigualdade, isto é, estagnação econômica e concentração da riqueza financeira. Foram responsáveis a taxa de juro disparatada e o ajuste fiscal permanente através de corte de gastos em investimentos produtivos. Dado o choque de juros, as grandes corporações entraram em processo de desalavancagem financeira por conta do endividamento, no período 2010-2014, quando a taxa de investimento esteve em torno de 21% do PIB.

Uma outra consequência financeira foi desencadeada pelo processo de desmanche dos bancos públicos desenvolvimentistas, levado a cabo por economistas neoliberais. De maneira oportunista, ocuparam cargos em suas direções (e no ministério da Fazenda/Economia), devido ao golpe e à eleição de um capitão assumidamente ignorante também a respeito de economia.  Veja as mudanças no ranking bancário.

 

O Banco Itaú se tornou o maior banco brasileiro por ativos ou “formas de manutenção de riqueza”. O Banco do Brasil perdeu essa liderança histórica, apesar de ser o maior captador de recursos, graças às contas de clientelas cativas em funcionários, órgãos públicos e empresas estatais.

A Caixa Econômica Federal retomou o primeiro posto em carteira de crédito, detido antes de seu reajuste patrimonial em 2001, por conceder 70% do crédito imobiliário no país. Este avança por inércia, durante décadas, enquanto os demais créditos são rotativos e/ou em prazo menor, não acumulando em diversos balanços anuais.

Por isso, a Caixa mantém ainda a liderança na participação de mercado (Market-share) de crédito às Pessoas Físicas, mas caiu de 32% em 2017 para 27,5% em 2019. O Banco do Brasil manteve a segunda colocação, mesmo com a perda de um ponto percentual, caindo de 19% para 18%. O Itaú conquistou ½ ponto percentual: de 11,77% para 12,25%. O Bradesco conquistou um ponto percentual: de 10,4% para 11,4%. O Santander completou o “big-five” dos bancos comerciais de varejo, ganhando 1,5 ponto percentual entre 2017 e 2019: de 8,6% para 10,1% desse crédito.

A participação de mercado (Market-share) no estoque de crédito às Pessoas Jurídicas, ainda foi liderado pelo BNDES, mas caiu de 21,3% em 2017 para 18,3% em 2019. O Banco do Brasil se manteve no segundo posto, embora caísse de 18,7% para 15,2%. Caiu mais a Caixa em posições: era a terceira com 12% e se tornou a quinta com 9,7%. O Bradesco tomou seu lugar ao ascender de 11,5% para 13,6%, bem como o Itaú de 9,2% para 9,9%.

A Caixa manteve sua liderança inconteste no crédito imobiliário com 70% de 2017 a 2019. O Bradesco trocou de posição com o Banco do Brasil, indo de 7% para 8%, e o Banco do Brasil ficando pouco abaixo com 7,7%. Logo após vem o Itaú (7,1%) e o Santander (5,8%). Cada qual ganhou menos de um ponto percentual.

No crédito rural, o Banco do Brasil se manteve na liderança, embora caísse de 55,5% para 52,8% de 2017 a 2019. No seu balanço do primeiro semestre de 2020, ele informa ter 64,3% do mercado do agronegócio, Market-share bem distinto daquele apresentado no Relatório de Economia Bancária de 2019, publicado pelo Banco Central.

Os demais bancos tinham pequena parcela desse mercado – Bradesco 6,5%, Santander 3,75%, Itaú 2,85% e Cooperativo Sicredi 2,6%. Os demais bancos comerciais e múltiplos com carteira comercial têm exigibilidades na concessão de crédito agrícola (13%) por conta de ameaça de multas e/ou recolhimentos compulsórios pela Autoridade Monetária. As cooperativas de crédito, em conjunto, tinham 11,65% em 2019.

No crédito para capital de giro (PJ), o Banco do Brasil teve queda de 16,9% para 16,1%, enquanto os privados nacionais ascenderam: Bradesco de 14,3% para 15,7% e Itaú de 13,9% para 14,9%. A Caixa despencou de 16,3% para 10,2%, passando do segundo para o quarto posto. O Santander ficou em quinto lugar com queda de participação (7,6%).

Esse banco de controle estrangeiro se destaca na liderança no crédito para aquisição de veículos, mantendo ¼ desse mercado. É secundado pelo Votorantim (18,6%), Bradesco (14,1%), Itaú (9,4%) e Safra (6,7%). É um mercado exclusivo de bancos públicos.

Da mesma forma, os privados nacionais lideram o crédito por via de cartões: Itaú 34%, Bradesco 14,8%, Santander 13,3%. Banco do Brasil tem 12% e a Caixa só 4%.

Nas tabelas acima pode ser visto um resumo das mudanças no ranking bancário nos quatro anos entre o primeiro trimestre de 2016 e o de 2020. O Itaú ultrapassou tanto o Banco do Brasil quanto a Caixa com a perda de cada um desses bancos públicos de dois pontos percentuais (pp) no total de ativos. O BNDES perdeu o dobro ao passar de 11% para 7%. Itaú ganhou 2 pp, o Bradesco 1 pp e o Santander 2 pp.

Sendo forçado a devolver os repasses do Tesouro Nacional, antes do prazo contratado, e elevado o custo de seu crédito com a troca de TJLP por TLP, enquanto o CDI referente ao custo das debêntures ficou abaixo dela, o BNDES sofreu uma queda absoluta em seus ativos de R$ 925 bilhões para R$ 718 bilhões. Sua carteira de crédito caiu de R$ 393 bilhões para R$ 285 bilhões por ele ter sido manietado. Além disso, sofreu a antecipação de pagamentos de empréstimos por seus devedores. Suas captações despencaram de R$ 588 bilhões para R$ 250 bilhões!

A carteira de crédito do Banco do Brasil também caiu em termos nominais. Tinha saldo de R$ 702 bilhões antes do golpe em 2016 e de R$ 662 bilhões no início da pandemia de 2020.

Como já dito, pelo moto próprio do crédito imobiliário concedido em longo prazo, a Caixa elevou um pouco seu saldo credor. Passou de R$ 684 bilhões para quase R$ 700 bilhões. Em quatro anos, é uma variação muito diminuta, mas suficiente para tomar a liderança do Banco do Brasil.

Paradoxalmente, a Caixa perdeu depósitos em termos absolutos. Suas captações caíram de R$ 1,081 trilhão para R$ 1,073 trilhão. Seus dirigentes atuais, assim como os dos demais bancos públicos, demonstram pouco se importar com esses indicadores financeiros cruciais em decadência – e o consequente retrocesso econômico do Brasil.

Os ex-banqueiros de negócios só observam ter elevado o lucro líquido trimestral de todos os três bancos públicos. As vendas de ativos, isto é, patrimônio público para entes privados, propiciaram maiores lucros não recorrentes. São once for all (“uma vez por todas”), propiciando aumento de pagamento de dividendos para o Tesouro Nacional – os três alcançam quase 90% do total recebido de todas as empresas estatais.

Um indicador dessa expansão dessa lucratividade conjuntural é todos os bancos públicos terem obtido 27% do lucro líquido total do sistema bancário, no 1T2016, e 42% no 1T2020. Enquanto isso, diminuíram suas participações de 46% para 38% em ativos, de 53% para 44% em carteira de crédito, e de 51% para 41% em captações.

Os neoliberais estão “felizes como pintos no lixo” com o definhamento dos bancos estatais. Para eles, simplesmente, esses números mostrariam a intensidade do chamado “crowding out” dos bancos privados na Era Social-Desenvolvimentista (2003-2014), pré-golpe. Referem-se ao fenômeno pelo qual o setor público toma espaço do setor privado.

O que eles não reconhecem é ter sido devido à atuação anticíclica dos bancos públicos, isto é, contra os efeitos depressivos da crise mundial, garantindo uma baixa taxa de desemprego até o fim de 2014. Naquela crise, os privados recuaram e os públicos avançaram. Agora, durante a pandemia, não. Por isso, estamos em Grande Depressão.

*Fernando Nogueira da Costa é professor titular do IE-Unicamp. Autor de “Brasil dos Bancos” (Edusp, 2012), ex-vice-presidente da Caixa Econômica Federal (2003-2007). É colunista do Brasil Debate

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