Notícias
“Quando o cassetete bastava!” Jornalista Jolivaldo Freitas fala sobre banalização da violência
“(...)A sociedade parece ter se acostumado à barbárie como quem se acostuma à chuva fina. Cada nova execução, cada ataque, cada emboscada entra na rotina, como se fosse parte da paisagem urbana”
Você não vai me desmentir, não ser que more fora do planeta. Mas faz tempo em que o medo mudou de lado. Diga se você, minha leitora, não tem o tempo todo a sensação de estar vivendo dentro de um filme diatópico, desses em que o bem aparece acuado, e o mal, organizado, faz até conferências de imprensa? A violência chegou a tal ponto que os bandidos, em plena luz do dia, falam abertamente em eliminar quem é do lado do bem, quem os combate — e não por vingança, mas como estratégia. Querem espalhar o terror, desarticular o Estado, calar quem ainda acredita ou cumpre a lei. O medo virou ferramenta de poder.
Antigamente, bastava uma dupla de PMs, conhecidos carinhosamente como Cosme e Damião, para garantir a ordem de um bairro inteiro na Bahia. Eles patrulhavam de boné, farda engomada e cassetete pendendo do lado — e isso era suficiente. Não se ouvia falar em confronto. Bastava o estalar do coturno na esquina para que o silêncio caísse como uma cortina. O respeito, mesmo sem armas, era o escudo da autoridade.
Hoje, nem o fuzil mete medo. A polícia, que um dia representou o limite entre o caos e a civilização, virou alvo declarado. E o que antes era vergonha — ver um policial chegar numa casa — agora é comum. As pessoas se acostumam. E ser policial não é mais motivo de orgulho é puro risco. O policial, por falta de outras condições, mora perto do bandido. Passa por ele quando sai a serviço.
A sociedade parece ter se acostumado à barbárie como quem se acostuma à chuva fina. Cada nova execução, cada ataque, cada emboscada entra na rotina, como se fosse parte da paisagem urbana. O Estado corre atrás do prejuízo, mas o crime corre na frente, com tática, planejamento e comunicação própria. Mata delegado, investigador, PM, mata geral.
O medo, que antes se sentia ao fazer o errado, hoje é o preço de quem tenta fazer o certo. E o que antes era vergonha agora virou coragem.
No tempo do cassetete, bastava um olhar severo para conter um tumulto. Hoje, com metralhadoras e coletes à prova de tudo, o tumulto é o normal. E nós, espectadores dessa distopia real, seguimos torcendo para que um dia o simples barulho do coturno volte a significar ordem — e não alvo.
Artigo do jornalista e escritor Jolivaldo Freitas
FONTE: Portal do Sindicato dos Bancários da Bahia